9.9.09

A cultura arde bem na Europa

"Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas."
Heinrich Heine

A UNESCO prepara-se para eleger um novo director para os próximo anos. Já sabemos como isto funciona: os países apresentam candidatos sendo que depois há um jogo diplomático, muito apurado e rigoroso, que redunda na vitória deste ou daquele estado sendo que parece haver sempre necessidade de ir mudando de continente, de étnia, de religião, etc. No fundo é como na entrega do Prémio Nobel da Literatura: um ano uma mulher, outro ano um homem, depois um russo, depois um sul-africano, depois um berbere, depois um índio pataxó e os bons escritores caucasianos estão sempre lixados. Pois bem, o Egipto apresentou o seu candidato, e ao que parece, será ele o próximo director da UNESCO. Tudo aponta para aí. Trata-se de Faruk Hosni, ex-ministro da cultura, que o ano passado recomendou que todos os livros em hebraico da biblioteca de Alexandria fossem queimados. Desconfio que disse 'todos os livros em hebraico' e não 'todos os livros de escritores hebreus' porque esta segunda hipótese teria como efeito o esvaziamento de toda a biblioteca. Mas vamos ser honestos: ninguém esperava que o Egipto ou qualquer país daquela zona pudesse apresentar um candidato credível. Agora, essa pessoa nunca seria eleita a não ser que conseguisse um apoio substancial dos países europeus. Os mesmos países que se recusam a apresentar o Idomeneo de Mozart porque aparece a cabeça de Maomé cortada; os mesmos países que recusam a publicação de artigos e cartoons que condenam o fundamentalismo islâmico; os mesmos países que não erguem a voz contra a fatalidade de uma fatah que teve em Salman Rushdie o rosto de todo um ataque à cultura e intelectualidade europeia. Se George Steiner tem razão quando diz que a Europa se suicidou quando matou os seus judeus, então nós devemos estar a viver os momentos da agonia final, e o velho continente acabará por morrer afogado numa poça do seu próprio sangue.

3 comentários:

  1. As clivagens ideológicas são extremamente preponderantes em abismos e constrições fronteiriças, e claro, o holocausto ainda se encontra por sanar e vice-versa, mas, arrivismos e visceralidades fundamentalistas à parte, o que me parece é que se caíu num essencialismo demagógico cujo resultado não desemboca senão no arquétipo oposto; traduzindo isto: se me oponho ao fachismo, por exemplo, e me torno obsoletamente radicalista, esse fanatismo não é também ele dono de uma igual cegueira e hegemonia surda? Sobre isto 3 exemplos: a visão quase contemporizadora a indulgente de Kundera (cuja a biografia tem também o crivo do holocausto) associando o eterno retorno de Nietzsche à redenção e aceitação da tragédia; o mesmo Nietzsche que advoga que é necessário que se conservem os inimigos e que se façam dos melhores amigos também eles os maiores inimigos; e para terminar, a visão de alguns escritores judaicos, participantes da terrível experiência, que mantém a lucidez e o rigor distanciado suficientes para entrever alguma virtude no arquétipo do opositor inusitado.

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