4.9.09

Sentimentos ou razão?

Vivemos num mundo de frieza emocional. Somos levados a acreditar que não devemos deixar que a emoção tome conta de nós. Caso aconteça, deixamos de ser distintos de todos os outros animais.
A verdade é que a emoção faz de nós, seres humanos, o que somos. Na verdade, se o nosso cérebro não deixasse correr pelas suas veias de neurónios o suculento sentimento, não passaríamos de seres autómatos.
Na realidade, desprezarmos os sentimentos é desprezarmo-nos a nós próprios. No processo da evolução das espécies, ganhamos este privilégio de sentir, que nem todos os seres vivos se podem orgulhar de ter. Como Darwin afirmou, o processo de selecção consiste em prevalecer aquilo que é mais forte, que mais se apropria à sobrevivência. Assim sendo, primeira máxima:

“Não desprezar o sentimento humano”.

Deparamo-nos então com um espada de dois gumes, porquê?
A razão é a nossa mãe. Sempre que estamos em maus lençóis, não há nada como correr para o colo da mãe, assim o fazem os bebés e as crianças e muitos adultos gostavam de fazer. A razão é como uma base sólida de metal onde assentam as casas, pilares de aço maciço onde podem descansar, pachorrentamente, quilos de pedra e madeira.
Sempre se disse: “Contra factos, não há argumentos”. Um facto é um processo inerente à razão. Processo esse que não existe nos sentimentos. Nos sentimentos não há factos, há suposições.
A verdade é que só com suposições é que nasce a teoria.

Ao longo dos tempos, houve quem defendesse que os dados empíricos, ou seja, sentimentos, deviam ser desprezados. A questão fica-se pelo facto de que se não confiarmos nos sentimentos, confiamos em quê? Toda a verdade, ainda que ilusória, é-nos captada do mundo exterior ao nosso corpo pelos sentimentos. Se os desprezarmos, vivemos numa interna incerteza, até mesmo, na incerteza da nossa existência e, para isso, mais vale não existirmos. Haja Fé em algo, Religião, Ciência, Família, no que for. Acreditarmos em nós, na nossa existência, é uma suposição de que existimos que foi retirada pelo sentimento de existirmos, nada mais. “Penso, logo existo”, talvez não se referisse apenas ao pensar lógico, mas ao pensar de sentir, visto que ambos advêm de um mesmo sítio: o cérebro.

Confiar nos sentimentos é deveras um perigo. Sabendo que não são fiáveis, sujeitos a interferências, como quando andamos tolos a tentar sintonizar a frequência de uma estação de rádio, ou a variações tão discrepantes como os andamentos de uma sinfonia, ou mesmo misturas miraculosas de acontecimentos imiscíveis, fazem de um sentimento um bicho raro.

No entanto, há que olhar do ponto de vista científico. Beethoven, ao escrever a Grosse Fuge, queria penetrar nas entranhas, fazer valer o seu valor, ir ao ínfimo, onde tudo começa, olhar para o átomo, o quark, o início da matéria.
Façamos uma viagem no mundo dos sentimentos. Eles ganham vida no nosso cérebro. Uno e Trino. Foi este cérebro que a evolução nos deu. Funciona como um, mas dividido em três partes. O Límbico, o responsável pelos sentimentos, um souvenir da evolução. Nasceu com os mamíferos e fez-nos Reis do Mundo. Vencendo a Uno e Uno dos répteis, que apenas são dotados de um único cérebro, o cérebro réptil, responsável pelas necessidades básicas de um animal, o que faz a distinção entre um animal e uma planta. Este cérebro morre, morremos também, morre o Límbico, ficamos verdadeiramente insensíveis, morre o Neocórtex, ultima aquisição dos mamíferos, morre o ser pensante que há dentro de nós. A vulgar morte cerebral é a morte do Neocórtex, uma vez sem personalidade, apenas existindo, morre aquilo que há dentro de nós, ser humano.

A evolução destes três foi progressiva. Não há animais sem cérebro réptil, portanto este está no início da evolução do cérebro. Depois apareceu o Límbico e, por último, o Neocórtex.

Para que apareceu o cérebro límbico na evolução?

Todos concordamos que há de ser uma mais valia para a sobrevivência, correcto? Mas qual é essa mais valia?

Nasce o cérebro Límbico, nascem os sentimentos.

Ao olhar para um cão a abanar muito a cauda, qualquer pessoa é capaz de dizer qual é o estado de espírito do animal. Já nenhum réptil será capaz de o dizer, pois não tem cérebro Límbico.

Mas paremos com demasiadas viagens no mundo da Ciência, vamos descansar num poema e teorizar:

“O cérebro Límbico foi desenvolvido na evolução para que os animais pudessem rapidamente criar laços entre eles e serve de meio de comunicação eficaz para fuga a todos os perigos e como obtenção de ajuda por parte de outros animais”

Bendita evolução, bendito cérebro.

Como estou maçado de escrever, vou terminar com outra teoria:

“Não se fazem teorias (cérebro da razão – Neocórtex), sem primeiro termos vontade de as fazer, a vontade nasce no cérebro Límbico”.

Pergunto-vos, quem vence, sentimentos ou razão?
(como nada vem do nada, para os mais curiosos, aconselho "Uma Teoria Geral do Amor" de Thomas Lewis e "O Erro de Descartes" de António Damásio)

3 comentários:

  1. É o meu papel dizer que, com uma explicação tão lógica e científica, estejas mais virado para a vitória da Razão, quando perguntas quem vence entre os dois, ou estou errado?

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  2. Estaria, antes de ler o livro que li e escrever isto, mas agora não estou. Acredito que o sentimento vence. Não poema sem sentimento, não teoria matemática sem sentimento. Ambos tiveram que vir do desejo de, no primeiro passar para um papel o turbilhão de sentimentos que vai na cabeça do poeta, o segundo, ter vontade e desejo de fazer algo que o vai deixar contente. Todos aqueles que sabem e gostam de matemática sabem bem qual é o sentimento após a resolução de um exercício complicado. É de felicidade. Senão fosse essa meta a atingir. Essa vontade que nasce dentro do do matemático e do poeta, não haveria arte nem ciência, não haveria então razão. A razão é um auxiliar para equilibrar o sentimento. São dois titans, mas ainda assim, vence o sentimento.

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  3. Eu sempre achei que o que nos torna seres tão especiais é a nossa faculdade de conseguirmos aliar a emoção à razão, sentindo-a; e a razão à emoção, pensando-a.

    O grande problema é que as actividades mais correntes e vulgares dos Homens tem uma origem mais emocional que racional. Razão tem efectivemente Descartes, apesar de todos os seus disparates, quando diz que 'o bom senso é a coisa mais bem distribuida do mundo, pois não há ninguém que julgue estar tão pouco provido dele que creia necessitar de mais do que aquele que já tem'.

    Portanto, tal como tu também eu estou convencido que a emoção comanda a acção, muito mais que a razão.

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