16.4.10
Despertar
Fazemos e esquecemos.
É preciso um novo despertar!
Afinal de contas somos os Apócrifos!
6.1.10
9.12.09
25.11.09
Nothing really matters... But mooooooiiiii!
21.11.09
Ruy Belo
E o assunto é de morte é de morte que eu faloVII - Tempora Nubila
Extremamente discretos são os mortos
que já nenhuma chuva ousa molhar
Que fácil é para eles ter vivido
Por exemplo morreu
mais um vizinho meu
casado e até feliz
um novo nome inútil na lista telefónica
E nada mais já pode acontecer
àquele a quem a morte veio
os vários e domésticos problemas resolver
O Problema da Habitação - Alguns Aspectos
17.11.09
12.11.09
3.11.09
Ilha das Flores
Um filme documental da autoria de Jorge Frutado.
1.11.09
Retratos
Bronzino "Portrait of a Man Holding a Statuette" Louvre, Paris
Os artistas plásticos, quando descobrem alguma figura que lhes capta a atenção, retratam-na mal chegam a casa, seja com o que for. Gravam para sempre o seu olhar, a posição das mãos, a tez da sua pele.
Aos escritores, que lhes resta? Que consolo lhes sobra? Ao seu lado umas poucas palavras, que fazer com elas perante a imensidade de um olhar, um toque de veludo, um peculiar modo de caminhar? Pobres filhos menores do génio reprodutivo, pegam nelas e supõe toda uma vida ao dono da figura, desmembrando-o e caluniando-o, amargamente se vingando assim de mais não poderem preservar daquele instante que suposições.
Fitando um quadro, roem-se de inveja por serem incapazes de o pintar, apressam-se chegar a casa para, durante horas a fio, darem um nome e uma vida àquele ser que tanto os cativou.
31.10.09
Viagem no metro
Um olhar…
Um olhar curioso, misterioso. É na troca de olhares que se descobre o mundo.
Viajo no olhar, percorro todo e todos nesta lata que arranha os ouvidos. São vidas e vidas e vividas e (des)vividas e pessoas. Conheço o mundo aqui, Na solidão de mim mesmo encontro-me mais só no olhar. O olhar desviante, tímido e repressor. Todos eles me deprimem. Olho e volto a olhar na esperança de num olhar me encontrar. Que me veja, que me torne. O metro é momento de olhares. Aprecio cada pessoa pela beleza que tem, porque o ser humano é belo em toda a sua essência. É esplêndido.
É um olhar.
30.10.2009
30.10.09
29.10.09
Honni soit qui mal y pense
28.10.09
23.10.09
O falso leitor
22.10.09
A Culpa
A vontade de morrer. De nascer. Renascer.
Essa culpa, dessa vontade. Essa vontade rebelde que vive dentro de mim. Que escolhe por mim, vive por mim. Sem se reger pelas minhas regras. Ai! Que vontade.
Essa vontade de um beijo. Vontade de ficar e não partir, vontade de crescer sem ficar velho. É tudo culpa dessa vontade.
Já diz na música, “a culpa é da vontade que vive dentro de mim e só morre com a idade, com a idade do meu fim. A culpa é da vontade…”
19.10.09
A feroz punhalada do realismo
Um corpo cai pelas forças gravíticas que nele actuam, assim o é quando estamos prostrados no mundo dos sonhos e caímos na realidade que nos rodeia. Realidade essa que continua a ser um sonho.
Andamos sempre a deambular pelo eterno sonho da vida, tropeçando.
Torno-me pedra para não pensar na vida que me rodeia, torno-me inanimado, mas nem isso faz com que deixe de ver o mundo exterior. É no silêncio da minha existência que melhor compreendo que estar só é ser se o melhor espectador da desgraça que nos rodeia. Nem na solidão somos donos da nossa própria vida, porque não somos sós, não somos un(ic)os. A entropia de dois atómos “sozinhos” é maior, do que quando estes estão ligados. A entropia é a desordem. É fácil compreender o porquê da solidão ser a nossa primeira inimiga.
A fuga à realidade é o social. É o lubrificar da mente com momentos plásticos retirados e recortados a partir de verdadeiras imagens que doem. O que é arte senão a tentativa de por belo o feio?
Tropeço mais uma vez na dura realidade. Porque os sonhos só nos iludem por escassos momentos, fugacidade da vida que por si só já é efémera.
Eu sonhei poder mudar. Poder mudar algo, alguém, ou a mim mesmo. Mas como sempre, tropecei. Mais um sonho para poder juntar ao conjunto de elementos infinitos cujo sistema de equações é impossível.
Sonho, caio.
16.10.09
Um empurrãozinho
15.10.09
Quem sai aos seus...
14.10.09
Senhor K
Imagine, caro leitor, um modesto homem de negócios. Distinto, não obstante a vulgaridade. Rotundo, espaçoso, volumoso, ainda assim célere no traje, impecável no corte e lapidar nos asseios indispensáveis a alguém da sua condição e estatuto. O sujeito em questão, chamemos-lhe Senhor K (o "Processo" acorre como base de sustentação existencial deste conto absurdo), por força da distância entre a sede de trabalho onde se dedica ao bulício e a residência portentosa hipotecada onde pernoita, K desloca-se, semanalmente de comboio, digamos, duma província britânica para o centro londrino; 2 horas perfazem este itinerário rotineiro. Consecutivamente, o senhor K experimentava o insuportável sufrágio destas viagens extasiantes: uma juventude leviana e balzaquiana, estrépitos, silvos e companheiros de lugar irrequietos e com tendência para o espamo fácil ou epilepsia, alternadamente. Ao cabo de alguns meses nesta digressão recalcitrante, o senhor K está pelas costuras de tanta incivilidade, e, eis que um frémito de iluminação, uma epifania aflora o seu pensamento molestado; habitualmente, obtia o impresso de viagem pelo serviço informatizado da rede ferroviária, processo que muito celebrava pela facilidade e eremitismo inerentes; ora, numa destas excursões, um rasgo de originalidade arrebata de forma perene o empreendedorismo de K; decide reservar, não apenas o seu lugar habitual na carruagem 22, lugar 125 no sentido do trânsito e à janela, bem como, o lugar contíguo. O senhor K fez assim os trajectos de ida e volta da jornada do dia posterior, de forma sobremaneira mais pacífica, lânguida e sossegada.
Esta insuspeita paz, adquirida somente à aturação de um gasto adicional não demasiadamente impossível, permite que K consiga pela primeira vez em copiosos meses de obstinação, trabalhar no curso do percurso, adiantando assim as tarefas desse dia. Ao cabo de algumas semanas, o leitor informado da perseverança, digamos, excêntrica de K, seria compelido a julgar e presumir que este estivesse em débil conjuntura financeira; contradigo-o, apressado e exegeta leitor, o senhor K, com o esforço adicional, a princípio pesaroso, de assegurar a viagem do seu outro velado, conseguiu fazer reverter para si ganhos extra com uma inusitada promoção por eficiência e rentabilidade; o bilhete excedente, diariamente emitido, lançado e nunca revisto pelo contínuo do vagão, começou, consequentemente, a tornar-se irrisório, pois K suplantáva-o com a hegemónica quantia de cumulativos ganhos e aumentos. Findo um ano, K, houve escalado do cargo de consultor sénior no seio da empresa para o bastião de vice-presidente do departamento de consultoria e gestão da mesma, triplicando o soldo mensal. Analisando, com propriedade empreendedora própria do seu posto, as possibilidades da sua pequena conquista burocrática, K enleia-se totalmente na repercussão deste engenho, evoluindo do modesto lugar geminado para os quatro emparelhados, meia carruagem, a carruagem in totto, até ao apogeu de todo o volume de lugares disponíveis. K descobre deste modo, um meuo económico de "adquirir" a solidão, apenas alojando vácuo e mais vácuo assistindo-o e aplicando-o de forma diplomática. K, comprovou que a misantropia e alienação dependem tanto da vontade do indivíduo como assim o dependem, a fome e vontade de estar no mundo.
Numa primeira e cabal reflexão, o leitor ripostará: Então porque não comprou K um jacto particular? Bom, digamos que o senhor K era um conservador e um amante do contexto ferroviário...
Guilherme Gomes, 14 Outubro, 2009
O som contínuo da chuva
Que não tem razão de ser
Até o meu pensamento
Tem chuva nele a escorrer.
Tenho uma grande tristeza
Acrescentada à que sinto.
Quero dizer-ma mas pesa
O quanto comigo minto.
Porque verdadeiramente
Não sei se estou triste ou não,
E a chuva cai levemente
(porque Verlaine consente)
dentro do meu coração.
(1930)
Fernando Pessoa
Um poema de um Poeta extraordinário, que me lembra o Outono que se aproxima.
(também em mim se instalou o espírito melancólico do Outono)
6.10.09
E também eu e você
Arnaldo Antunes - 2003
Saiba: todo mundo foi neném
Einstein, Freud e Platão também
Hitler, Bush e Sadam Hussein
Quem tem grana e quem não tem
Saiba: todo mundo teve infância
Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
e também você e eu
Saiba: todo mundo teve medo
Mesmo que seja segredo
Nietzsche e Simone de Beauvoir
Fernandinho Beira-Mar
Saiba: todo mundo vai morrer
Presidente, general ou rei
Anglo-saxão ou muçulmano
Todo e qualquer ser humano
Saiba: todo mundo teve pai
Quem já foi e quem ainda vai
Lao Tsé Moisés Ramsés Pelé
Ghandi, Mike Tyson, Salomé
Saiba: todo mundo teve mãe
Índios, africanos e alemães
Nero, Che Guevara, Pinochet
e também eu e você
5.10.09
Fall
Hoje, só por ser Outono, vou chamar-te meu amor
Contra as regras do que somos, vou chamar-te meu amor
Hoje só por ser diferente te encontrar
É tanto o fado contra nós
Mas nem por isso estamos sós
E embora fique tanto por contar
Hoje, só por ser Outono, vou...
3.10.09
Um sopro do coração
Vou organizar um golpe de estado ao coração e mandar abaixo aquele governo fascista que está cada vez mais rebelde. Mas onde estava eu com a cabeça quando deleguei o amor ao coração?
Porque é que são atribuídos os sentimentos a um órgão que apenas tem como função bombear o sangue? Se formos a ver, ao fim ao cabo, o coração de sentimentos não tem nada, usa apenas a força bruta para nos fazer viver, é apenas uma máquina geradora de vida.
O cérebro, esse sim, está responsável por todo o sistema complexo de sentimentos que o ser humano tem. E este órgão é responsável pelo envio das informações que vão delimitar ou alterar a função dos outros órgãos. E o coração sente, quando o cérebro sente.
Por isso, não sei porque é que dizem “estás no meu coração…”
As alterações de “humor do coração” são devidas a regulação de adrenalina no sangue, portanto ele está mesmo desprovido de qualquer tipo de sentimento, só se se considerar que as suas células pensam, pois bem, se pensarem, acho que é apenas para conseguirem contraírem-se todas ao mesmo tempo.
29.9.09
“Não sei se é sonho, se realidade”
Sonhei um sonho. Sonhei que Tempo e Espaço quebravam e me deixavam ser seus Senhor.
Aqui estou eu, dono do Tempo e do Espaço.
Fiz do Espaço, Tempo e assim de Tempo e Tempo o mundo ficou feito.
Sem os limites do Espaço, fiz o nosso encontro possível. Não há mais viagem a não ser aquela mesmo que se faz no interior do meu Eu para o Teu.
Um Toque. Realmente não há Espaço. Um Beijo. Não há mesmo Espaço. Um…desvaneceste. Já não sou o Senhor do Tempo e do Espaço. Como feras indomáveis que são, traíram-me. Acordo. Já não estou no Mundo dos Sonhos.
Ó Tempo e Espaço, que crueldade fazeis ao existirem. Que Titans implacáveis sem piedade vós sois.
De novo à Realidade.
27.9.09
26.9.09
22.9.09
Carrilho não deixa a cultura arder bem na Europa
Do filme Fahrenheit 451 de François Trauffaut baseado na obra de Ray Bradbury
21.9.09
Antes de conhecer
Os cães negros do México
Que dormem sem sonhar
Os macacos de rabo pelado
Devoradores de trópicos
As aranhas de prata
De ninhos cobertos de bolhas
Não queria patear
Sem saber se a lua
Sob um falso ar de ceitil
Tem um lado pontiagudo
Se o sol é frio
Se as quatro estações
São só realmente quatro
Sem ter experimentado
Passear de vestido
Nos grandes bulevares
Sem ter espreitado
Por um olho de esgoto
Sem ter metido o zezé
Nuns escaninhos bizarros
Não queria acabar
Sem conhecer a lepra
Ou as sete doenças
Que por lá se apanham
Nem o bom nem o mau
Me dariam desgosto
Se se se eu soubesse
Que os podia estrear
E há também
Tudo o que eu conheço
Tudo o que eu aprecio
Que sei que me dá gozo
O fundo verde do mar
Onde valsam fios de alga
Sobre a areia ondulada
A erva torrada de Junho
A terra que estala
O odor das coníferas
E os beijos daquela
Que isto mais que aquilo
A bela que aqui 'stá
O meu ursinho d'Ursula
Não queria patear
Antes de ter gasto
Sua boca com a minha boca
Seu corpo com as minhas mãos
O resto com os meus olhos
Não digo mais é preciso
Manter-se venerador
Não queria morrer
Sem que tenham inventado
As rosas eternas
O dia de duas horas
O mar na montanha
A montanha no mar
O fim de toda ador
Os jornais a cores
As crianças contentes
E tantas coisas mais
Que dormem nas cabeças
Dos geniais engenheiros
Dos jardineiros joviais
Dos sisudos socialistas
Dos urbanos urbanistas
E dos pensativos pensadores
Tantas coisas a ver
A ver e a zouvir
Tanto tempo a esperar
A procurar no escuro
E eu vejo o fim
Que fervilha e vem chegando
Com sua carranca feia
E que me abre os braços
De retorcida rã
Não queria morrer
Não senhor não senhora
Antes de ter provado o gosto que me assombra
O gosto que é mais forte
Não queria morrer
Antes de ter provado
O sabor da morte...
Boris Vian (1947-1959)
14.9.09
"Eu não sou suficientemente retrógrada para ser contra as ligações homossexuais (...) A sociedade está organizada no sentido de promover a família, no sentido de que a família é algo que tem por objectivo a procriação."
Manuela Ferreira Leite, 2009
- Minha Cara, carece porquanto de "um bocadinho assim" para se tornar suficientemente retrógada, mas já se posicionou em instâncias mais longínquas, devo dizer-lhe...
12.9.09
Libreto para uma cantata
10.9.09
Compreensão
"A convicção de que tudo o que acontece no mundo deve compreensível, pode levar-nos a interpretar a História por meio de lugares-comuns. Compreender não significa negar nos factos o chocante, eliminar deles o inaudito ou, ao explicar fenómenos, utilizar analogias e e generalidades que diminuam o impacte da realidade e o choque da experiência. Significa, antes de mais nada, examinar e suportar conscientemente o fardo que o nosso século [XX] colocou sobre nós - sem negar a sua existência, nem vergar humildemente ao seu peso. Compreender significa, em suma, encarar a realidade sem preconceitos e com atenção, e resistir a ela - qualquer que seja."
(Mas poderá haver realmente compreensão sem um pouco de empatia emocional? Baixar as barreiras da nossa alteridade face a tudo que não nós mesmos?)
Vamos ao ínfimo, como Beethoven
Sou pequeno. (para ler com a música)
São tão pequeno na vastidão da pequenez que chego a pensar se há alguém grande. Somos todos invariavelmente pequenos.
Vivemos num grão de pó do universo que se mistura com o cotão estrelar numa galáxia que já de si é pequena.
Não há relatividade que me console desta ridícula pequenez.
Se não me consolo junto da ciência, quem me consola? Neste vazio sem dimensões só as certezas do nada. A fé da solidão. A companhia dos sós. Como podem ser tão sós os planetas e as estrelas que neste céu habitam?
Requiem! Requiem para vós!
Será que é essa a verdade? A do vazio?
"Temos meios para estabelecer uma vida itinerante, mas nunca teremos capacidade neuronal para tal.". Um homem pode-se dizer só, mas nunca o estará completamente. A força da atracção dos planetas ao Sol, é a mesma que nos atrai uns aos outros. Somos todos vítimas das mesmas forças. Não se é só. Um ser só, só morre, nada mais.
Se tudo é relativo, porque é que hoje eu não me acho grande aos olhos do meu próprio habitat? Continuo a achar-me pequeno neste campo de pessoas e ideias que nasce de tudo. Acreditar em nós próprios, é um grande exercício mental. Há quem diga que sim, acredito, mas esse esforço mental mente…
9.9.09
A cultura arde bem na Europa
7.9.09
Film Noir
"A realidade é colorida, mas o realismo é preto e branco."
Wim Wenders
A poética do P&B remonta às primeiras cogitações perpetuadas pela fotografia no século XIX, tendo vindo a observar-se um anacrónico recurso a esta mesma estética em abordagens da corrente senda cinematográfica. A questão que subjaz não é senão esta: porque razão e com que objectivos a imagética bitonal tem ganho a propensão vigente? Mero revivalismo? Nostalgia? Virtuosismo, dirão alguns estetas. Porém, cabe ao juízo elucidado ponderar algumas referências e considerações sobre esta temática; a construção da imagística e universo visual ausente de cor, decorre, como a grande maioria das componentes cinematográficas, de uma necessidade técnica, ou mais precisamente, a imagem duotónica é ela própria uma consequência e uma concretização mecânica e processual. A par dos imaginários que daí adviseram, a parceria entre a captação do real e a sua transposição química e reaccional para a superfície fixável marcou os primeiros avanços da imagem fílmica e fotográfica. O conhecimento dos métodos de extracção de imagens e subconsequente impressão e fossilização alberga um vasto repertório histórico e epistemológico, porém, centremo-nos em dois aspectos destacantes: a mecanicidade e o conceito de arquivo.
O Homem da Câmara de Filmar, Dziga Vertov, 1929 Viagem à Lua, Georges Méliès 1902
Bragança de Miranda, no seu ensaio sobre o corpo e a imagem, apologiza o a imagem, na sua essência ontológica, como um simulação (essencial, primordial - distante ainda das formulações de Baudrillard), mas também como uma tecnologia, na medida em que, consumar uma imagem pressupõe uma lesão de um objecto de realidade; num sentido mais lato, criar imagem não é senão a divisão de uma realidade, por conseguinte, assim quem interpreto, classifico, retalho e dilacero a matéria "real" de uma pedra e a consigno como pedra, envolvo-a e revisto-a de significados mas torno-a de igual modo multifacetada, explodida; Platão referia-se às imagens como fingimentos, logros, dissimulações, senão mesmo artifícios tão incipientes e insatisfatórios como um trompe l'oeil mal executado, contudo, mesmo no contexto actual, em as imagens governam e se promiscuem obsessivamente descontroladas, o homem necessita de enunciar, de dispor e fragmentar para melhor se dominar e compreender o que lhe é exterior; nesse sentido, a conquista primordial das técnicas de aquisição de imagem (representação, pintura, escultura, fotografia, cinema, ad infinitum...) são deste modo ancestrais, a própria superfície espelhada de um lago - segundo Miranda - induz-se como uma tecnologia que perturba a inviolabilidade do real, deturpando e abrindo brechas para novas instâncias e interstícios inexplorados - esta é a grande virtude mecânica inerente ao confronto com o real, o devir destas possibilidades exponenciam-se no seu potencial absoluto assim que a aptidão para registar se alia à hipótese de distribuir, imortalizar e tornar facto: o arquivo. Esta é portanto a dicotomica primitiva da imagem: capturar, apreender(e aprender) e assimilar em simbiose estrita com a criação de um imenso inventário, anatomista, ambiental e universal da realidade. Qual é então o papel da imagem polarizada e omissa de cor neste périplo da representação?
Antes de mais, esta reflexão urge de um recenseamento cronológico esclarecedor no que concerne à cor, cuja digressão e incursão no celulóide é posterior à imagem divorciada da paleta cromática. Os primórdios da cor reportam-se às primeiras emulsões ensaiadas por Daguerre (com o Daguerreótipo) e Nicéphore, cujas pretensões incidiram na verosimilhança do carácter cromático na imagem; pardoxalmente, a cor é portanto uma adição, no sentido epistemológico respeitante à imagem fotográfica, uma vez que a génese do registo provém do preparado químico de sais de prata, cuja a inflamação provocada pela exposição à luz resultava na imagem a preto e branco; e porquê um paradoxo? Bom, porque a imagem vislumbrada pelo olho humano se acha repleta de nuances e formulações coloridas, no entanto, escrever/garatujar com luz (foto, luz + grafos, escrita), é por acepção e origem, desvinculado de qualquer cor, mas não por isso, das mesmas nuances e acuidade.
Avançando esta prelecção científica, centremo-nos na representação e de que forma a cor e a sua omissão condiciona, guia e interfere na interpretação e assistência do espectador. No cinema, compreende-se a cor como verbalização ampla e voluptuosa da realidade, ou seja, utiliza-se a cor como excitação de uma realidade, a sua emulação mais lapidar e hiperbólica - o real hiper-realizador, eximiamente conseguido e terminado. Nesta medida, a cinematografia a preto e branco, poderá ser nominada de um meio frio, na terminologia de MacLuhan (teórico dos Média dos anos 60), por conseguinte, representar a preto branco privilegia um dado reduto de inconclusão e réstia que cabe à audiência completar, terminar, pari passu (ao passo que), confrontado com a consagração prodigal e flamejante da cor, o espectador pode somente observar passivamente um mundo que lhe está vedado e no qual não se infere como intermediário ou performador.
Por outro lado, criar a preto e branco é também um recurso de distanciamento e reflexão que impelem o espectador numa atitude introspectiva e meditativa, não obstante, não aniquilando qualquer deleite contemplativo ou poesia formal que daí possa provir. Vejamos exemplos concretos, em tom conclusivo:
-"The Man Who Wasn't There", irmãos Coen, cuja a plástica minimal e noiresca edifica instantes de rara beleza e frívola composição, em que os contrastes claro/escuro desenham e distribuem o olhar concentrando-o nos elementos pungentes da accção.
-"Pleasantville", Gary Ross, em que a inserção do elemento da cor se perfigura como diapasão orientador da tensão.
-"Celebrity" e "Manhattan, Woody Allen, em que a estética P&B assume a sua realização mais condigna e primorosa na cinematografia de Allen.
-"Amantes Regulares" e "Fronteira do Amanhecer", de P. Garrel.
- A obra de Bergamn, carecendo de qualquer esclarecimento.
- "Hiroshima Mon Amour"
- As primeiras obras de Antonioni.
5.9.09
Silênco
Autor: Juscelino Tanaka
Tardes de Bolonha #1
e penso.
Passou muito tempo, a cinza
alcançou o filtro do cigarro
e sou obrigado a tirar outro,
e continuo a fumar.
Levo, por acaso, as
mãos aos bolsos e encontro
o café.
Deixo-as em cima da mesa e continuo a admirar a cidade da esplanada da Tabacaria,e cada pessoa que atravessa o meu caminho e a cidade, rara aquela que a observa.
Cada um com o seu aspecto e a sua personalidade.
Dão andamento ao tempo e cravejam a noite de jóias, beijam-se na escuridão
4.9.09
O fundo do acaso afundado
Woody Allen
Querem mais?
A alvorada deste apocrofismo é já amanhã, no Expresso.
Sentimentos ou razão?
A verdade é que a emoção faz de nós, seres humanos, o que somos. Na verdade, se o nosso cérebro não deixasse correr pelas suas veias de neurónios o suculento sentimento, não passaríamos de seres autómatos.
Na realidade, desprezarmos os sentimentos é desprezarmo-nos a nós próprios. No processo da evolução das espécies, ganhamos este privilégio de sentir, que nem todos os seres vivos se podem orgulhar de ter. Como Darwin afirmou, o processo de selecção consiste em prevalecer aquilo que é mais forte, que mais se apropria à sobrevivência. Assim sendo, primeira máxima:
“Não desprezar o sentimento humano”.
Deparamo-nos então com um espada de dois gumes, porquê?
A razão é a nossa mãe. Sempre que estamos em maus lençóis, não há nada como correr para o colo da mãe, assim o fazem os bebés e as crianças e muitos adultos gostavam de fazer. A razão é como uma base sólida de metal onde assentam as casas, pilares de aço maciço onde podem descansar, pachorrentamente, quilos de pedra e madeira.
Sempre se disse: “Contra factos, não há argumentos”. Um facto é um processo inerente à razão. Processo esse que não existe nos sentimentos. Nos sentimentos não há factos, há suposições.
A verdade é que só com suposições é que nasce a teoria.
Ao longo dos tempos, houve quem defendesse que os dados empíricos, ou seja, sentimentos, deviam ser desprezados. A questão fica-se pelo facto de que se não confiarmos nos sentimentos, confiamos em quê? Toda a verdade, ainda que ilusória, é-nos captada do mundo exterior ao nosso corpo pelos sentimentos. Se os desprezarmos, vivemos numa interna incerteza, até mesmo, na incerteza da nossa existência e, para isso, mais vale não existirmos. Haja Fé em algo, Religião, Ciência, Família, no que for. Acreditarmos em nós, na nossa existência, é uma suposição de que existimos que foi retirada pelo sentimento de existirmos, nada mais. “Penso, logo existo”, talvez não se referisse apenas ao pensar lógico, mas ao pensar de sentir, visto que ambos advêm de um mesmo sítio: o cérebro.
Confiar nos sentimentos é deveras um perigo. Sabendo que não são fiáveis, sujeitos a interferências, como quando andamos tolos a tentar sintonizar a frequência de uma estação de rádio, ou a variações tão discrepantes como os andamentos de uma sinfonia, ou mesmo misturas miraculosas de acontecimentos imiscíveis, fazem de um sentimento um bicho raro.
No entanto, há que olhar do ponto de vista científico. Beethoven, ao escrever a Grosse Fuge, queria penetrar nas entranhas, fazer valer o seu valor, ir ao ínfimo, onde tudo começa, olhar para o átomo, o quark, o início da matéria.
Façamos uma viagem no mundo dos sentimentos. Eles ganham vida no nosso cérebro. Uno e Trino. Foi este cérebro que a evolução nos deu. Funciona como um, mas dividido em três partes. O Límbico, o responsável pelos sentimentos, um souvenir da evolução. Nasceu com os mamíferos e fez-nos Reis do Mundo. Vencendo a Uno e Uno dos répteis, que apenas são dotados de um único cérebro, o cérebro réptil, responsável pelas necessidades básicas de um animal, o que faz a distinção entre um animal e uma planta. Este cérebro morre, morremos também, morre o Límbico, ficamos verdadeiramente insensíveis, morre o Neocórtex, ultima aquisição dos mamíferos, morre o ser pensante que há dentro de nós. A vulgar morte cerebral é a morte do Neocórtex, uma vez sem personalidade, apenas existindo, morre aquilo que há dentro de nós, ser humano.
A evolução destes três foi progressiva. Não há animais sem cérebro réptil, portanto este está no início da evolução do cérebro. Depois apareceu o Límbico e, por último, o Neocórtex.
Para que apareceu o cérebro límbico na evolução?
Todos concordamos que há de ser uma mais valia para a sobrevivência, correcto? Mas qual é essa mais valia?
Nasce o cérebro Límbico, nascem os sentimentos.
Ao olhar para um cão a abanar muito a cauda, qualquer pessoa é capaz de dizer qual é o estado de espírito do animal. Já nenhum réptil será capaz de o dizer, pois não tem cérebro Límbico.
Mas paremos com demasiadas viagens no mundo da Ciência, vamos descansar num poema e teorizar:
“O cérebro Límbico foi desenvolvido na evolução para que os animais pudessem rapidamente criar laços entre eles e serve de meio de comunicação eficaz para fuga a todos os perigos e como obtenção de ajuda por parte de outros animais”
Bendita evolução, bendito cérebro.
Como estou maçado de escrever, vou terminar com outra teoria:
“Não se fazem teorias (cérebro da razão – Neocórtex), sem primeiro termos vontade de as fazer, a vontade nasce no cérebro Límbico”.
Pergunto-vos, quem vence, sentimentos ou razão?
Sangue e Luz
3.9.09
Mémoires d'Hadrien
Em princípio, o judaísmo tem o seu lugar entre as religiões do império; de facto, Israel recusa-se, há séculos, a ser apenas um povo entre povos, possuindo um deus entre os deuses. Os Dácios, ainda os mais selvagens, não ignoram, que o seu Zalmoxis se chama Júpiter em Roma; o Baal púnico do monte Cássio identificou-se sem dificuldade ao Pai que tem na mão a Vitória e do qual nasceu a Sabedoria; os Egípcios, aliás tão orgulhosos das suas fábulas dez vezes seculares, consentem em ver em Osíris um Baco sobrecarregado com atributos fúnebres; o violento Mitra sabe-se irmão de Apolo. Povo algum, excepto Israel, tem a arrogância de possuir toda a verdade nos estreitos limites de uma concepção divina, insultando assim a multiplicidade do deus que contém tudo; nenhum outro deus inspirou aos seus adoradores o desprezo e o ódio por aqueles que oram em altares diferentes.
'Apócrifacias'
Caleidoscópio
Sou o princípio de Le Châtelier, estou em equilíbrio, mas em movimento, ou seja, aparentemente está tudo equilibrado, no entanto, há uma balbúrdia interna descomunal.
No caleidoscópio, sou um arco-íris de cores cintilantes que vai produzindo uma História de sensações multifacetadas. Gira um pouco e novas sensações, surpresas. A surpresa é complicada, é como a mudança. São as duas irmãs do destino. Andam todas de mãos dadas quais siameses separadas a nascença por homens encapuçados de branco.
No entanto, há cordões umbilicais que nunca se separam, mesmo com fortes golpes de vida.
O chicote do tempo, tem as suas limitações. Arrasa com tudo, menos com a própria vida, ou vivências, seja o que lá for. Não arrasa com os tais cordões. São feitos de ligas de aço misturadas com fibras de carbono, com pitadas de Boro. Tremendas construções da natureza, ainda que não sejam visíveis.
O caleidoscópio vai girando mais uma vez.
Novas sensações. As sensações são o mundo em que vivemos, sem elas não éramos.
Pode-se considerar então na minha lógica incoerente, que um conjunto de sensações faz um mundo.
O caleidoscópio gira de novo.
Já três mundos foram construídos.
No entanto, nenhum deles me parece bom para se viver. Já girei várias vezes e parecem-se todos como os planetas que o princepizinho visitou. Não há vestígios de serem bons. Nem mesmo o dele. Se calhar é esse o meu problema, devia voltar para o meu.
Bolas!
Perdi o rumo em busca de tantos planetas que já não sei qual é o meu.
Desencontro-me de mim próprio, estou desterrado e com um caleidoscópio na mão. Já girei e não encontrei. Que fazer?
David Gomes
2-09-2009